Jesus, no exercício do seu magistério, se dirige aos seus discípulos, muitas vezes, usando muitos imperativos. Estes imperativos guardam no seu interior um amálgama de ordem e de convocação-convite. Parece contraditório. Tem, no entanto, força educativa que possibilita que se alcance objetivos e metas para proporcionar aos discípulos o desabrochamento pleno de sua condição humana. A convocação provoca a liberdade dos discípulos e aciona a sua competência de escolha. O discípulo escolhe e usa de sua liberdade. O coração fica, então, presidido por aquela dinâmica que acende a consciência da própria importância e da necessidade de se assumir uma postura-resposta diante daquele que convoca. Mas, no reverso da convocação está também o sentido de ordem. O Senhor sabe que fora desta intimidade não há outro caminho para os seus discípulos, com a garantia de fecundidade e de vivência autêntica da vida recebida como dom. Trata-se de uma intimidade fundamental e imprescindível. Sem ela os discípulos correm riscos, perdem rumos e não produzem frutos duradouros. Sem esta intimidade os discípulos caminham sem suporte e não se nutrem da fonte inesgotável. ‘Permanecei em mim’ é a liberdade do discípulo contracenando com a sua única possibilidade de vida. Fora d’Ele, Cristo, absolutamente nada. N’Ele tudo. Ele a única condição verdadeira de vida. A intimidade com Ele é a garantia da vida. Longe dele a vida não é fecunda.
A videira e os ramos
O simbolismo que o Mestre usa, então, para compor o sentido deste amálgama de convite-intimação e ordem, ‘Permanecei em mim’, é o da videira e dos ramos. Ele usa este simbolismo para explicitar aos seus discípulos o sentido e o alcance desta intimidade. O ramo fora da árvore não é nada. Sua vitalidade e capacitação para produzir fruto vêm da árvore à qual ele pertence e na qual está enxertado. O esvaziamento ou superficialidade desta condição de pertença geram a condição que incapacita para dar frutos. Há uma perda de sua própria razão e uma esterilização de sua verdadeira condição. O ramo não produz fruto. Seu destino será trágico, o corte. Cortado seca e não serve para outra coisa a não ser para ser queimado. A perda de sua vitalidade explica-se, pois, pelo destacar-se da árvore na sua condição única de poder receber a seiva que lhe proporciona a condição de produzir frutos. O Mestre, com a metáfora da videira e dos ramos, cria nos discípulos esta convicção do quanto é insubstituível a condição de intimidade e pertença a ele. Daí decorre a exigência de seu cultivo pela consciência de pertencer a Ele. Uma consciência de pertença que deve povoar quotidianamente o coração com aqueles afetos que produzem o sentido da adesão, traduzido na conduta pessoal que se revela pelos frutos no jeito de ser do Senhor e Mestre. Os frutos só vêm da força fecundante que está na árvore. Apartar-se de Cristo é um verdadeiro suicídio, inviabilizando a fecundidade da conduta do discípulo. Torna-se ramo seco. Não serve para nada. Só para ser lançado no fogo. Perece eternamente, é a conseqüência trágica da separação da fonte verdadeira da vida, Cristo.
O Pai é o agricultor
‘Permanecei em mim e eu permanecerei em vós’! O Mestre sabe que não tem outra alternativa para vida dos seus. Esta mútua inserção, na força da intimidade que estreita os laços, laços com raízes, gera no discípulo a identidade límpida e dignificante da filiação. Permanecer n’Ele significa assimilar o jeito de viver de filho. O jeito d’Ele, o Filho Bem Amado. Um jeito de ser inspirado e vivido na dinâmica da filiação. Uma filiação para garantir a todos os discípulos e discípulas a mesma condição e os mesmos direitos de ter o seu pai como o pai de todos. O pai que é nesta relação de intimidade profunda e de pertença, videira e ramos, o agricultor. É do pai que vêm os cuidados, cortando, limpando e fazendo crescer para multiplicar a fecundidade da inserção, garantindo a abundância de frutos. Outro modo não há para se alcançar esta abundância de frutos. Só a fiel referência e fidelidade ao Pai, pela assimilação do jeito de ser do Filho na conduta pessoal, permitem a fecundidade almejada dos frutos produzidos.
Pedi o que quiserdes
O diálogo do Mestre toca o coração dos seus discípulos no mais profundo dos seus desejos. Ora, o coração humano é cheio de desejos. Uma verdadeira avalanche de desejos. A força do desejo sustenta a vitalidade da caminhada, alimenta os sonhos que não deixam desanimar. Muitas vezes, também, amarga a experiência pela força incontrolável de sua dinâmica de procura e pelos rumos tomados na vida, arrastada por sua incontrolável influência. O Senhor garante que o cultivo da intimidade com Ele fecunda a competência do discípulo na conquista dos seus desejos. Na medida da profundidade desta inserção que atinge o ápice da comunhão, o discípulo pode conseguir tudo. Tudo o que ele pedir será concedido. Só uma é a condição. A condição é a garantia da intimidade profunda com Aquele que tudo pode conceder. Esta condição está na exigência da fidelidade às suas palavras. Palavras que são o seu jeito de ser na produção de frutos em abundância. É a vida compreendida e vivida como altar de permanente oferta, caminho de bondade para com todos, em todos os gestos e palavras. O Senhor indica que antes de fixar o olhar nos próprios desejos, é preciso disposição no cultivo da intimidade com Ele. Permanecer nele é a condição insubstituível para a realização plena dos próprios desejos. É um poder que se conquista. Um poder modulado pela intimidade com o coração de Deus. Um poder sem riscos. Um poder ser bom e convencer-se sempre mais que íntimo de Deus, verdadeiramente, é todo aquele que sempre faz o bem e se demove sempre do mal. O bem é o seu único desejo.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
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