Conta-se que, certa vez, Santo Agostinho caminhava pela beira da praia, mergulhado em pensamentos, tentando compreender como seria possível que Deus fosse ao mesmo tempo Uno e Trino. No caminho, a poucos metros de onde a onda se esparramava, Agostinho encontrou um menino que, tendo cavado um buraco na areia, apanhava água do mar com uma concha e colocava no buraco. Vendo aquilo, o grande teólogo iniciou um rápido diálogo com o garoto, que teria sido mais ou menos assim:
- “Mas o que você está fazendo aí, menino?”, perguntou Agostinho.
- “Estou transportando toda a água do mar para dentro do buraco que cavei”, respondeu com naturalidade o garoto.
Agostinho insistiu, admirado daquele intento: “Mas será que você não percebe que seu intuito é absurdo, que é impossível você transportar o mar inteiro para dentro desse buraco que você fez na areia?”
Ao que o garoto respondeu: “Da mesma forma que é impossível eu transportar o mar para esse buraco, é igualmente impossível você compreender o mistério da Trindade!”
Essa estorinha muito simples é a base pela qual queremos iniciar esta nossa reflexão. É muito importante que fique claro para nós o que estamos querendo aprofundar sobre a Trindade. Certamente não se trata de compreender o seu mistério, pois é mistério divino, e não iremos conseguir compreendê-lo simplesmente com a razão. Como fazer com que nossa razão, tão matemática e desejosa de exatidão, aceite que um é igual a três? Essa matemática é, pelo menos, absurda. É aí que temos que admitir que, de fato, esse problema não é matemático, mas um problema de fé.
Busquemos, então, uma fundamentação que nos permita mergulhar mais profundamente nesse mistério, pois sabemos que a Trindade foi aos poucos se revelando a nós, e, por isso, é possível encontrar um rastro de sua revelação, quer na Patrística, quer nas Sagradas Escrituras. Gregório de Nazianzo afirmava expressamente a ‘personalidade e a divindade’ de cada uma das três pessoas divinas – Pai, Filho e Espírito Santo –; dizia que o Antigo Testamento havia revelado mais a pessoa do Pai, que o Novo Testamento tinha se ocupado de revelar mais a pessoa do Filho, e que a revelação do Espírito Santo havia acontecido mais fortemente no tempo da Igreja. Muitas discussões foram desenvolvidas pelos primeiros Padres e pensadores da Igreja; muitas delas acabavam mesmo por intuir fortemente a certeza da verdade trinitária. No entanto, somente com o Concílio de Constantinopla, em 381, chegou-se a uma definição, ou fórmula, mais clara da existência do Deus único em três pessoas. De muitas formas defendida, de muitas formas questionada ao início, tal definição tornou-se patrimônio inegociável e irrenunciável de nossa fé. “Na verdade, é a relação de origem que distingue as Pessoas divinas: o Pai é Pai porque gera, o Filho, porque é gerado, e o Espírito porque é ‘dado’ por ambos”(1). Assim, as Pessoas divinas expressam três pessoas reais e individuais. Apesar do que falava Gregório de Nazianzo, se lançarmos um rápido olhar sobre as Sagradas Escrituras poderemos encontrar alguns indícios, algumas pistas, que nos podem levar a perceber a presença de uma revelação trinitária ainda no AT. Em Gn 1,26, por exemplo, na narração da criação, Deus diz “... façamos o homem...”; há também na narração da construção da Torre de Babel, em Gn 11,7, algo parecido quando Deus não se agrada daquele desejo do coração do seu povo e diz: “...vamos, desçamos e confundamos a língua deles...”. Podemos perceber aí já sementes desta revelação da Trindade que iria crescer e desabrochar com o passar dos tempos e da História da Salvação. De fato, alguns Padres da Igreja compreenderam esses detalhes preciosos precisamente dessa forma. Por mais que somente aos poucos o Deus Uno foi-se revelando como Trino, Ele sempre o foi desde toda a eternidade. Poderíamos continuar um pouco mais numa pesquisa sobre a revelação da Trindade. Há, no entanto, algo muito importante que gostaria de mencionar. Diante de tal profundidade, de tal mistério, é imprescindível não perder o essencial, não nos perdermos em elucubrações sobre a Trindade, correndo o risco de deixarmos escapar o principal; e o principal é que somos amados por Ela. Deus, Uno e Trino, poderoso, insondável, ilimitado, decidiu amar-nos e habitar em nós, que somos fracos, pequenos, completamente limitados. Não podemos entender inteiramente o porquê desse ato divino, mas o fundamental é que Deus assim o quis e o quer. Esse Deus tão grande e tão forte se revela na pessoa do Pai que nos cria por amor; do Filho que por amor se encarna para operar em nós a salvação, e do Espírito Santo que gera em nós a vida nova, a vida eterna e divina, também por amor. A Trindade nos amou e nos ama profundamente, e torna-se para nós modelo perfeitíssimo de amor. Somos, então, chamados a amar assim como a própria Trindade ama: doando-se completamente, esvaziando-se de si para os outros. O Pai entregou o seu Filho único e mais querido, Aquele em quem derramava toda a sua complacência, toda a sua ternura, todo o seu amor; o Filho entregou a própria vida, assumindo a condição humana tão limitada e esvaziando-se até a morte, e morte de cruz! E o Espírito Santo, com o expirar de Jesus na cruz, entregou-se todo à Igreja que dos pés da cruz nasceria. Portanto, a forma de amar da Trindade é esta: o esvaziamento, a doação total de si. Se fosse possível se expressar dessa forma (já que a Trindade é plenamente e eternamente feliz...), poderíamos dizer que a cruz é o momento “mais feliz” da Trindade, pois é o momento em que o Pai consuma a entrega do seu Filho amado, o Filho consuma a entrega de sua vida, e o Espírito Santo é soprado por Jesus e entregue aos homens. Feliz Trindade que nos mostra como encontrar o caminho da felicidade! De uma forma tão misteriosa, mas também tão maravilhosa, a Trindade opera em nós. É realmente maravilha aos nossos olhos, pois não somos dignos de que Ela ao menos se importe conosco...
Que as palavras de S. Paulo aos Coríntios, expressas em fórmula trinitária, sejam para nós, especialmente neste Ano Santo, bênção e comunicação do amor insondável do Deus Uno e Trino: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunicação do Espírito Santo estejam com todos”(2), com cada um de nós, e transforme a nossa vida em vida agradável a Deus até o fim. Amém!
por Revista Shalom Maná - ED. Shalom
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