Quando, num encontro de amigos, a conversa gira em torno de
assuntos religiosos, é comum alguém declarar, com naturalidade e segurança:
"Creio, mas não pratico!" Trata-se de uma afirmação que parece ser tão bem
formulada, tão lógica, que, normalmente, ninguém a contesta. Assim, dias depois,
em outro grupo, se a discussão for também sobre questões religiosas, é possível
que alguém volte a fazer a mesma afirmação. Mais do que uma afirmação isolada,
essa idéia de que se pode acreditar sem colocar em prática aquilo em que se
acredita é tão comum que já se tornou uma mentalidade em muitos ambientes.
A justificativa desse comportamento varia de pessoa para
pessoa. Há aquela que deixou de lado a prática religiosa pela decepção com um
líder da comunidade; outra, sem perceber, abandonou, pouco a pouco, sua vida de
fé: passou tanto tempo sem ler a Palavra de Deus, sem rezar e sem assistir à
missa dominical que, quando notou, já havia organizado sua vida de tal maneira
que não havia mais espaço para expressões religiosas; outras pessoas tinham um
conhecimento tão superficial de sua religião que, sem grandes questionamentos, a
abandonaram. Há, também, as que procuram o batismo dos filhos, a missa de
formatura ou de sétimo dia, tão somente como atos sociais.
Afinal, é possível crer sem praticar? Algumas pessoas deixam
a prática religiosa com o argumento de que buscam uma maior autenticidade. Dizem
não gostar de normas e ritos: preferem uma religião "mais espiritual", sem
estruturas. Esquecem-se de que somos seres humanos, não anjos. Os anjos não
precisam de sinais, gestos e palavras para se relacionarem. Nós, ao contrário,
usamos até nosso corpo como meio de comunicação. Traduzimos nossos sentimentos
com um sorriso ou um aperto de mão, uma palavra ou um tapinha nas costas;
fazemos questão de nos reunir com a família nos dias de festa e telefonamos para
o amigo, cumprimentando-o no dia de seu aniversário; damos uma rosa para nossa
mãe e nos encantamos com o gesto da criança que abre seus braços para acolher o
pai que chega. Como, pois, relacionar-nos com Deus tão somente com a linguagem
dos anjos, que nem conhecemos?
A fé nos introduz na família dos filhos e filhas de Deus;
nela, é essencial a prática do amor a Deus e ao próximo. Nossa família cristã
tem uma história, uma rica tradição e belíssimas celebrações. Pode ser que
alguém não as entenda. Mas, antes de simplesmente ignorá-las ou, pior, de
desprezá-las, não seria mais prudente procurar conhecê-las, penetrar em seu
significado e descobrir seus valores? O essencial, já escreveu alguém, é
invisível aos nossos olhos.
Não se pode querer uma fé sem gestos, com a desculpa da busca
de maior autenticidade. O Pai eterno, quando nos quis demonstrar seu amor, levou
em conta nosso jeito de ser, de pensar e agir. Mais do que expressar
"espiritualmente" seu amor, concretizou-o: enviou-nos seu Filho, que habitou
entre nós. Algumas Bíblias, em vez de traduzirem o ato descrito pelo evangelista
João, na forma clássica - "e o Verbo se fez carne, e habitou entre nós" (Jo
1,14) -, preferem a expressão: "e armou sua tenda no meio de nós", para
expressar a idéia de que Deus, em Jesus Cristo, passou a morar em uma tenda ao
lado da nossa. Em sua primeira carta, S. João dá um testemunho concreto dessa
experiência de proximidade: "O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que
vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e o que as nossas mãos apalparam
da Palavra da Vida (...) isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos, para que
estejais em comunhão conosco" (1Jo 1,1.3). Ele considerou ter sido uma graça
especial ter podido ouvir, ver e tocar o Filho de Deus. Jesus, por seu lado,
tendo assumido a natureza humana, submeteu-se a ritos: passou noites em oração,
foi ao Templo de Jerusalém e frequentou sinagogas.
"Creio, mas não pratico". A fé ("creio") e a vida ("não
pratico") não podem estar assim separadas. Por sua própria natureza, devem estar
unidas. Uma fé sem obras é morta; obras, mesmo que piedosas, sem fé tornam-se
vazias.
Dom
Murilo S. R. Krieger, scj
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