Do Sermão sobre as Bem-aventuranças, de São
Leão Magno, papa
(Sermo 95,6-8: PL
54,464-465) (Séc.V)
A sabedoria cristã
Em seguida diz o Senhor:
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados (Mt 5,6). Esta fome nada tem de corpóreo.
Esta sede não busca nada de terreno. Mas deseja ser saciada com a justiça e,
introduzida no segredo mais oculto, anseia por ser repleta do próprio Senhor.
Feliz espírito, faminto do pão da justiça e
que arde por tal bebida. Na verdade não teria disso nenhuma cobiça, se não lhe houvesse provado
a doçura. Ouvindo o espírito profético que lhe diz: Provai e vede como é suave o
Senhor (Sl 33,9), tomou uma porção da altíssima doçura e inflamou-se pelo amor das castíssimas
delícias. Abandonando todo o criado, acendeu-se-lhe o desejo de comer e beber a justiça e
experimentou a verdade do primeiro mandamento: Amarás o Senhor Deus de todo o teu coração, com
toda a tua mente, com todas as tuas forças (Dt 6,5; cf. Mt 22,37). Porque não são coisas
diferentes amar a Deus e amar a justiça.
Por fim, como o interesse pelo próximo se
une ao amor de Deus, também aqui o desejo da justiça é acompanhado pela virtude da
misericórdia, e se diz: Bem-aventurados os misericordiosos porque deles terá Deus
misericórdia (Mt 5,7).
Reconhece, ó cristão, a dignidade de tua
sabedoria e entende de que modo engenhoso foste chamado ao prêmio. A misericórdia te quer
misericordioso, a justiça, justo, para que em sua criatura transpareça o Criador e no espelho
do coração do homem refulja a imagem de Deus expressa pelas linhas da imitação. Firme é
a fé dos que assim agem, teus desejos te acompanham e daquilo que amas gozarás sem
fim.
Já que pela esmola tudo se faz puro para
ti, chegas à bem-aventurança que é prometida como conseqüência. Diz o Senhor:
Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus (Mt 5,8). Imensa felicidade, caríssimos, para
quem se prepara tão grande prêmio. Que é, então, ter o coração puro? Entregar-se às virtudes acima
descritas. Que inteligência poderá conceber e que língua proclamar quão grande seja a
felicidade de ver a Deus? E, no entanto, isto acontecerá quando a natureza humana for transformada,
de sorte que não mais em espelho ou enigma, mas face a face (1Cor 13,12), verá aquela Divindade que
homem algum pôde ver tal qual é. E obterá o que os olhos não viram, nem os ouvidos
ouviram, nem subiu ao coração do homem (1Cor 2,9), pelo gáudio indizível da eterna
contemplação.
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